Volta e meia nos deparamos com um artigo aqui e outro acolá trazendo uma palavra que virou a Geni de parte dos analistas políticos do mundo: o neoliberalismo.
Conta-se que o termo foi auto-atribuído pelos ditos “intelectuais” Meses, Hayek e turma, durante o Colóquio Walter Lippmann. Mas seu uso ganhou tração nas famosas aulas de Michel Foucault no Collège de France, entre 1978 e 1979, que posteriormente foram reunidas em O Nascimento da Biopolítica, em que o intelectual francês empreende um esforço em compreender o que seria o neoliberalismo, a gênese de sua racionalidade e como ele se entranha em toda vivência humana a partir dos anos 1970. Uma análise do esforço e do trabalho de Foucault pode ser encontrado em um livro muito agradável da professora de Berkeley Wendy Brown.
Certo que o neoliberalismo é a Geni por uma razão importante: ele venceu, e venceu de goleada. Não há retorno possível às sociedades que tivemos antes dele, não há como arrancar as raízes sociais profundas que ele estabeleceu em nossa sociedade, destruindo todos os mecanismos políticos de solidariedade que as regulamentações do sistema capitalista existentes até então.
Um dos principais argumentos de Brown é que o neoliberalismo corrói os fundamentos da democracia, que tradicionalmente dependem de cidadãos ativos, com uma vida política coletiva e com direitos iguais. Sob o neoliberalismo, os cidadãos são reconfigurados como "homo economicus", o que enfraquece o papel de cidadania e participação política em favor da competitividade e da gestão privada, deslegitimando a luta política, uma vez que a ideia de bem comum e de participação cívica se perde à medida que as lógicas de mercado dominam a vida pública.
Nessa lógica, o Estado se transforma, de uma entidade reguladora e redistributiva, seu papel no no modelo de Estado de bem-estar social, em um gestor do mercado, e extrai legitimidade fomentando competição e maximizando o crescimento econômico e a “geração de valor”, inclusive em áreas como a educação, saúde e segurança.
Esse processo despolitiza o Estado e transforma questões públicas, como justiça, equidade, direitos fundamentais e igualdade, em meros problemas de gestão e eficiência.
O neoliberalismo age também na esfera da subjetividade, transformando os indivíduos em "empresários de si mesmos", responsáveis por sua própria sobrevivência, sucesso e fracasso, numa lógica de auto-responsabilização, enfraquecendo a solidariedade coletiva e as lutas por justiça social, e contribuindo significativamente para o adoecimento da população - o que traz em si uma oportunidade de negócios, a medicalização da vida.
Esse sistema venceu. Mas também está implodindo, por conta das suas contradições internas.
O mundo tem, cada vez mais, abraçado o chamado “iliberalismo”, buscando líderes que prometam reduzir a complexidade das questões da vida cotidiana, e que prometam um mínimo de dignidade às pessoas, ainda que não consigam entregar e que cobrem um preço altíssimo pela possiblidade, sob a forma de aprofundamento da erosão democrática. Há uma reação ao neoliberalismo, e ela não tem sido o aprofundamento da democracia, mas a sua supressão.
A melhor ilustração disso é a eleição americana deste ano. É incrível que uma figura como Donald Trump e seus asseclas, que divulgaram uma agenda claramente fascista para os próximos anos, o famigerado Project 2025, e que foram completamente ineptos na condução do país e do papel imperial dos EUA entre 2016 a 2020, tenham chances reais de retornar ao poder.
Estamos talvez em uma encruzilhada histórica: a ordem liberal não existe mais, e não vai voltar. Mesmo o neoliberalismo não tem mais as respostas para os estragos que fez. Os conservadores apertaram o botão de emergência, o fascismo, e estão se preparando para pensar a sociedade que virá. Talvez tenha chegado a hora de fazermos o mesmo deste lado da cerca.
Bora relaxar…
…com metal polinésio: Shepherds Reign, com a nova pedrada ALA MAI.